quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Mundialização da Economia


A mundialização, ou ainda, em termos anglo-saxões, a globalização, muito em voga nos países da América Latina constitui, nos anos 1990, uma das preocupações prediletas dos intelectuais de todas as tendências, sejam eles economistas, sociólogos, geógrafos ou filósofos. Buscaremos revisitar esta noção e argumentar por que a mundialização está cercada de erros conceituais e de falsas explicações.Dia após dia, “a mundialização”, esta fórmula totalizadora,embora enigmática, é levada para os ouvidos de cada um, por aqueles que procuram justificar as dificuldades do período, recorrendo a uma única “causa”, que certamente tem nome, porém ininteligível. Além disso, essa noção de mundialização atingiu tal grau de circulação pública que uma análise faz-se necessária, sobre as modalidades da sua construção e dos seus usos, pois estes influem na sua pregnância e merecem ser apreciados pelas suas qualidades epistemológicas (preocupação com a identificação de uma ordem global do mundo conhecível) e ideológica (racionalização interessada da imagem do mundo).Em torno da noção de mundialização Em primeiro lugar, a mundialização designa a crescente integração das diferentes partes do mundo, sob o efeito da aceleração das trocas, do impulso das novas tecnologias dainformação e da comunicação, dos meios de transporte etc. Refere-se, também, a processos muito específicos que, para uns, são um prolongamento de tendências antigas e, para outros, marcam um novo período.A mundialização e o economista: É a globalização financeira ou, em outras palavras, a integração dos mercados e das bolsas como conseqüência das políticas de liberalização e do desenvolvimento das novas tecnologias da informação e da comunicação; é também a intensificação dos fluxos de investimentoe de capital na escala planetária.O economista LEVITT (1983) foi o primeiro a introduzir o termo globalização para designar a convergência dos mercados no mundo inteiro. Entretanto, OHMAE (1996) tem o mérito de popularizar a noção no campo da análise econômica. Para ele, a globalização é uma nova etapa no desenvolvimento das multinacionais, a gestão na escala mundial do conjunto das atividades de uma companhia multinacional, em pesquisa e desenvolvimento até a comercialização, passando pela produção. Para a vertente que estuda as global cities (SASSEN,1991), a globalização financeira acompanha-se do fortalecimento dos grandes centros financeiros e da emergência de cidades globais como Nova York, Londres, Tóquio.Surgem companhias multinacionais globais (ANDREFF,1996; MUCHIELLI, 1998) que integram as atividades financeiras,comerciais, industriais e constituem, assim, uma nova etapa no desenvolvimento das firmas multinacionais pela aceleração das fusões e das concentrações em certos setores (telecomunicações,audiovisual, informática etc.). Gera-se um processo de regionalização,graças à constituição de vastas zonas de livre-comércio,no pano de fundo da tríade (KEBABDJIAN, 1994; KEIZER &KENIGSWALD, 1996), isto é, a organização da economia mundial em torno de três grandes pólos principais de desenvolvimento:América do Norte, União Européia e Japão. Intensifica-se o comércio mundial: desde os anos 1950, as trocas de bens e de mercadorias conheceram um crescimento superior ao das produções nacionais (RAINELLI, 1997). Verifica-se um crescimento fenomenal dos investimentos internacionais, paralelamente à presença cada vez mais notória das firmas transnacionais nas trocas internacionais e na atividade econômica dos países.Os fatos são, nesse aspecto, surpreendentes. A CNUCED (1997) estima hoje em cerca de 44 mil o número de firmas transnacionais e em 280 mil o número de suas filiais. O montante das vendas dessas empresas atinge cerca de 7 trilhões de dólares e os investimentos diretos são da ordem de 3,2 trilhões de dólares. A sua importância é ainda melhor entendida quando se considera que o Produto Nacional Bruto (PNB) mundial é de cerca de 30 trilhões de dólares.Não menos surpreendente é o crescimento dos investimentos diretos estrangeiros. Comparado aos anos 1980, esse crescimento vem diminuindo por razões relacionadas com o impacto da crise de 1991-1993 sobre a economia mundial. Mas a taxa de crescimento dos investimentos diretos estrangeiros mantém uma média muito superior à do comércio internacional e, por conseguinte, à da produção mundial; por outra parte, há, desde 1985, uma nítida aceleração, fenômeno que não pode ser dissociado da abertura maior dos mercados nem da atração exercida pelo forte crescimento econômico dos países ditos “emergentes”.As companhias transnacionais são responsáveis por dois terços do comércio mundial, do qual um terço representa o comércio no interior das empresas. Como reflexo dessa nova realidade, essas firmas  estão no centro da atividade econômica dos países. Esses dados mostram bem que a mundialização econômica começou mesmo uns vinte anos atrás. Os resultados, porém, são discutidos: para alguns economistas, a conseqüência seria uma tendência à convergência das políticas econômicas nacionais, para outros, seria uma intensificação da interdependência das economias nacionais. A mundialização e o geógrafo: Para o geógrafo, a mundialização é a “globalização” ou a articulação ampliada dos territórios locais com a economia mundial.Originalmente, este neologismo foi imposto por diretores japoneses para designar um modo de gestão, ao mesmo tempo global e local, da empresa-rede no quadro da economia mundializada. Em geografia, a noção de globalização é uma maneira de sublinhar a persistência de um registro espacial de fenômenos econômicos – a localização dos locais de produção de uma empresa multinacional nos territórios. Refere-se também à constituição de uma “economia em arquipélago”, segundo a expressão figurada de Pierre VELTZ (1996), ou à emergência, na escala planetária, de um “arquipélago megalopolitano mundial”, organizado em torno das megalópoles norte-americanas e do sudeste asiático.A mundialização e as políticas: para as relações internacionais,é o fim da bipolaridade. No tempo da Guerra Fria, o mundo era apreendido em termos de relações Leste-Oeste, Norte-Sul. O uso da noção mundialização marca uma mudança de contexto. Acentuam-se os fenômenos da transnacionalidade e dainterdependência. A transnacionalidade se expressa por meio dos atores organizados em redes: multinacionais, diásporas,seitas. Desde os anos 1970-80, a interdependência dos Estados foi particularmente sentida no domínio do meio ambiente. Podem ser integrados, também, fenômenos mais ou menos antigos: as guerras “mundiais”, a constituição de uma ordem internacional mediante a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), ou mais recentemente, a mundialização.A mundialização e o historiador: Para o historiador: é uma nova etapa no desenvolvimento de um processo plurissecular. o capitalismo: É a extensão das “economias-mundo”, que foram descritas por BRAUDEL, na sua monumental Civilisation matérielle et capitalisme (1967-1979). Trata-se de áreas de desenvolvimento que se sucederam a partir do século XVI, ao ritmo das grandes descobertas e das inovações técnicas. O seu denominador comum: a existência de centros decisórios que organizam as regiões periféricas em função de uma divisão do trabalho e das produções. Apoiando-se nos trabalhos de BRAUDEL (1967), alguns consideram que a mundialização perfaz a constituição de um sistema ou espaço-mundo.Sabe-se, por exemplo, que BRAUDEL (1988), na sua obra La dynamique du capitalisme, teve a ambição de relacionar o capitalismo, a sua evolução e os seus meios, a uma história geral do mundo. Ensinando a distinguir entre economia mundial (economia do mundo tomado no seu todo) e economia mundo (Welwirtschaft: economia de uma parte do nosso planeta, na medida em que ela forma um todo econômicocomo, por exemplo, o Mediterrâneo do século XVI), BRAUDEL lega esta revisão conceitual a WALLERSTEIN (1974), que, por sua parte, na L’Économie-monde moderne, defende a idéia de uma contradição interna a esse conjunto, na qual participam os “movimentos anti-sistêmicos”, isto é, os movimentos sociais de resistência ao desenvolvimento de uma única economia de mercado. Esse quadro estende-se no espaço e integra os impérios-mundos circunvizinhos, sem limites espaciais intrínsecos.




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