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terça-feira, 14 de outubro de 2014
Biomas Brasileiros- Cerrado I
Cerrado : Um Drama em Silêncio
Embora nascido em Patos de Minas, o escritor Carmo Bernardes, que morreu em 1996, considerava-se goiano. Um "goiano do pé rachado", como dizia. Com sua fala simplória, o mineiro explicava a incrédulos que "o Cerrado é uma floresta de cabeça para baixo", pois em muitos lugares há mais matéria vegetal subterrânea, escondida sob o solo, que exposta. Às vezes as raízes têm de mergulhar em busca da água dos lençóis profundos - mais aqui, menos ali, dependendo de a planta estar em cerradão ou mata de galeria, mata seca ou vereda, campo limpo, campo sujo ou cerrado senso estrito, as sete paisagens desse ecossistema que os cientistas enumeram. Em certos lugares, a biomassa subterrânea de uma árvore chega a ser sete vezes maior que a exposta.
Nos mais de 2 milhões de quilômetros quadrados do Cerrado, cerca de 24,1% do território brasileiro, predominam mais arbustos e ervas que árvores. Mas há também matas secas, as chamadas florestas deciduais - aroeiras, perobas, ipês, cerejeiras, cedros -, que perdem quase todas as folhas no inverno, uma estratégia para guardar energia e enfrentar a estiagem e o frio. Já foram identificadas mais de 12 mil plantas - os pesquisadores acreditam que possam existir pelo menos 20 mil -, das quais 4 mil são endêmicas. Na última década, só de flores, foram identificadas 966 novas espécies. Para ter uma idéia, o Distrito Federal, com menos de 6 mil quilômetros quadrados em meio ao bioma, tem mais orquídeas conhecidas que toda a Amazônia. Segundo o I Relatório Nacional para a Convenção sobre Diversidade Biológica, o Cerrado brasileiro guarda pelo menos um terço dos 15% a 20% dessa diversidade no planeta. Em certos pontos, chega-se a encontrar até 28 espécies por metro quadrado. Na estação seca parece uma orgia de flores miúdas, multiformes e coloridas. O povo mais antigo orgulha-se de utilizar cerca de 300 espécies na medicina popular, que os cientistas estudam para encontrar formas de uso industrializáveis.
A despeito de tanta riqueza, o desmatamento do Cerrado avança à razão de 22 mil quilômetros quadrados (1,1% do ecossistema) por ano. Como já são mais de 800 mil quilômetros quadrados desmatados, a perda da biodiversidade é acentuada. Há indícios disso no desaparecimento progressivo de polinizadores, como abelhas e morcegos, dos quais depende inclusive o pequi, o fruto adorado pelos habitantes da região, seja para ser provado como doce, seja na composição de iguarias típicas, como a galinhada. É preciso saber degustá-lo: gente de fora, sem conhecimento ou hábito, costuma morder o fruto com pressa - com isso, enche também a língua de centenas de minúsculos espinhos que povoam cada caroço de pequi, por baixo da polpa amarela. A vida em breve irá melhorar para esses forasteiros incautos: com a ajuda de índios da região do Xingu, no Mato Grosso, pesquisadores estão começando a viabilizar um tipo de pequi sem espinhos.
Viajar pelo Cerrado pode ser uma surpresa sem fim, tantas as paisagens, tantos os encantos. Pode-se, por exemplo, ir ao Jalapão, no Tocantins - um "perto meio longe", como diz o povo dali - e reencontrar o Cerrado de antigamente, perdido em outros lugares do centro-oeste brasileiro. No Jalapão vivem 440 espécies de vertebrados, e recentemente foram descobertos mais 11. A despeito da fauna abundante, consegue-se rodar pelas estradas de terra dezenas de quilômetros sem cruzar com um só vivente, nem mesmo um calango, enquanto se vai passando por dunas, cerradões, cachoeiras e serras escarpadas. Se for tempo de seca, a impressão que se tem, como em quase todo o Cerrado, é a de que toda a vegetação está desaparecendo. Mas basta cair a primeira chuva e tudo reverdece como que por milagre.
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