sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Biomas do Brasil- Mata Atlântica



MATA ATLÂNTICA
Peter Mix
MATA ATLÂNTICA
Parque Estadual Morro do Diabo protege Mata Atlântica no Interior de São Paulo
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A Mata Atlântica é o segundo bioma mais ameaçado de extinção do Planeta; só as florestas de Madagascar estão mais ameaçadas. Apesar disso, ela mantém índices altíssimos de biodiversidade (um dos maiores do mundo), que a classifica como um hotspot, ou seja, um lugar onde existe uma grande riqueza de diversidade biológica e ao mesmo tempo sofre uma grande ameaça.
A Mata Atlântica é considerada Patrimônio Nacional pela Constituição Federal e abrange total ou parcialmente 17 estados brasileiros e mais de 3 mil municípios. No nordeste, abrange também os encraves florestais e brejos interioranos, no Sudeste alcança parte dos territórios de Goiás e Mato Grosso do Sul e no Sul estende-se pelo interior, alcançando inclusive parte dos territórios da Argentina e Paraguai.
Quando os primeiros europeus chegaram ao Brasil, em 1500, a Mata Atlântica cobria 15% do território brasileiro, área equivalente a 1.306.421 km2. Atualmente existem variações com relação ao número de remanescentes de um estado para outro. O índice geral ainda utilizado atualmente é o de 1995, aferido em um levantamento feito pela Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e Sociedade Nordestina de Ecologia, que aponta que no Brasil há apenas 7,84% de remanescentes da Mata Atlântica, com cerca de 102.000 km2.
Os novos levantamentos que estão sendo realizados pelo governo federal devem mudar um pouco esse panorama - números parciais indicam um percentual em torno de 20%, quando se leva em conta os estágios médios de regeneração da floresta. Isso aponta para a capacidade da Mata Atlântica de se regenerar. No entanto, não muda a situação crítica em que se encontram os estágios avançados e primários da floresta, que são exatamente os mais bem conservados. Os próprios dados recentemente divulgados pela fundação SOS Mata Atlântica, para oito estados, apontam que o ritmo de desmatamento diminuiu em alguns estados e que já temos algum sinal de vida para comemorar. Entretanto, estados como Santa Catarina, que foi o campeão de desmatamento nesse novo levantamento, seguido pelo Paraná, apontam que ainda temos muitos problemas para resolver.
Além disso, é importante destacar que estes 7,84% não estão distribuídos de forma equilibrada entre as várias fitofisionomias do Bioma. Ecossistemas como a floresta ombrófila mista (a Floresta com Araucárias), as florestas estacionais, os campos de altitude, os manguezais e as restingas estão muito ameaçados e as perdas continuam sendo grandes. Da floresta com araucárias, por exemplo, restam menos de 3% de remanescentes. Dessa forma a situação é ainda mais grave, pois esse é um dos ecossistemas mais ameaçados, dentro do Bioma mais ameaçado. Essa é a realidade com a qual a população da Mata Atlântica tem que conviver e é um grande desafio conservar o que ainda resta e recuperar áreas prioritárias. Uma das metas da Conservação da Biodiversidade, por exemplo, diz que precisamos ter 10% de cada bioma preservado em unidades de conservação, sendo que na Mata Atlântica esse índice mal chega a 3%.

A Mata Atlântica é a floresta mais rica do mundo em diversidade de árvores
Mesmo reduzido e muito fragmentado, o bioma Mata Atlântica ainda é um dos mais ricos do mundo em diversidade de plantas e animais. Considerando-se apenas o grupo de angiospermas (vegetais que apresentam suas sementes protegidas dentro dos frutos), acredita-se que o Brasil possua entre 55.000 e 60.000 espécies, ou seja, de 22% a 24% do total que se estima existir no mundo. Desse total, as projeções indicam que a Mata Atlântica tenha cerca de 20.000 espécies, ou seja, entre 33% e 36% das existentes no País, 8 mil delas são endêmicas. É a floresta mais rica do mundo em diversidade de árvores. No sul da Bahia, foram identificadas 454 espécies distintas em um só hectare.
Várias espécies endêmicas são frutas conhecidas, como é o caso da jabuticaba, que cresce grudada ao tronco e aos galhos da jabuticabeira (Myrciaria trunciflora), daí seu nome iapoti-kaba, que significa frutas em botão em tupi. Outras frutas típicas da Mata Atlântica são a goiaba, o araçá, a pitanga, o caju e as menos conhecidas cambuci, cambucá, cabeludinha e uvaia. Outra espécie do Bioma é a erva-mate, matéria-prima do chimarrão, bebida popular na região Sul.
Muitas dessas espécies, porém, estão ameaçadas de extinção. Começando pelo pau-brasil, espécie cujo nome batizou o País, várias espécies foram consumidas à exaustão ou simplesmente eliminadas para limpar terreno para culturas e criação de gado. Atualmente, além do desmatamento, outros fatores ocorrem para o desaparecimento de espécies vegetais, como o comércio ilegal. Um exemplo é o palmito-juçara (Euterpe edulis), espécie típica da Mata Atlântica, cuja exploração intensa a partir da década de 1970 quase o levou à extinção. Apesar da retirada sem a realização e aprovação de plano de manejo ser proibida por lei, a exploração clandestina continua forte no País. Orquídeas e bromélias também são extraídas para serem vendidas e utilizadas em decoração. Plantas medicinais são retiradas sem qualquer critério de garantia de sustentabilidade.
Em um bioma onde as espécies estão muito entrelaçadas em uma rede complexa de interdependência, o desaparecimento de uma planta ou animal compromete as condições de vida de várias outras espécies. Um exemplo é o jatobá (Hymenaea courbarail). A dispersão de suas sementes depende que seu fruto seja consumido poder roedores médios e grandes capazes de romper a sua casca. Como as populações estão diminuindo muito, os frutos apodrecem no chão sem permitir a germinação das sementes. Com isso, já são raros os indivíduos jovens da espécie. À medida em que os adultos forem morrendo, faltará alimentos para os morcegos, que se alimentam do néctar das flores de jatobá.
Estima-se que no bioma existam 1,6 milhão de espécies de animais, incluindo os insetos. Algumas espécies possuem ampla distribuição, podendo ser encontradas em outras regiões, como são os casos da onça-pintada, onça-parda, gatos-do-mato, anta, cateto, queixada, alguns papagaios, corujas, gaviões e muitos outros. O que mais impressiona, no entanto, é a enorme quantidade de espécies endêmicas, ou seja, que não podem ser encontradas em nenhum outro lugar do Planeta. Estão catalogadas 270 espécies de mamíferos, das quais 73 são endêmicas, entre elas 21 espécies e subespécies de primatas. No total, a Mata Atlântica abriga 849 espécies de aves, 370 espécies de anfíbios, 200 de répteis e cerca de 350 espécies de peixes.
Mas essa grande biodiversidade não faz com que a situação deixe de ser extremamente grave. A lista da espécies ameaçadas de extinção, publicada pelo Ibama em 1989, já trazia dados impressionantes: Das 202 espécies de animais consideradas oficialmente ameaçadas no Brasil, 171 eram da Mata Atlântica. A nova lista, publicada pelo Ministério do Meio Ambiente em maio de 2003, traz dados ainda mais alarmantes: O total de espécies ameaçadas, incluindo peixes e invertebrados aquáticos, subiu para 633, sendo que sete constam como extintas na natureza.
Segundo levantamento da Conservação Internacional, a maior parte das espécies da nova lista publicada pelo Ministério do Meio Ambiente habita a Mata Atlântica. Do total de 265 espécies de vertebrados ameaçados, 185 ocorrem nesse bioma (69,8%), sendo 100 (37,7%) deles endêmicos. Das 160 aves da relação, 118 (73,7%) ocorrem nesse Bioma, sendo 49 endêmicas. Entre os anfíbios, as 16 espécies indicadas como ameaçadas são consideradas endêmicas da Mata Atlântica. Das 69 espécies de mamíferos ameaçados, 38 ocorrem nesse bioma (55%), sendo 25 endêmicas, como o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) e o muriqui, também conhecido como mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides), o maior primata do continente americano e o maior mamífero endêmico do território brasileiro.
Além da perda de habitat, as espécies da Mata Atlântica são grandes vítimas do tráfico de animais, comercio ilegal que movimenta 10 bilhões de dólares no Brasil. Segundo as estimativas, em cada 10 animais traficados, apenas um resiste às pressões da captura e cativeiro. Existe ainda o problema de espécies que “invadem” regiões de onde não são nativas, prejudicando as espécies locais, seja pela destruição de seu próprio habitat, seja por solturas mal feitas de animais apreendidos. Um exemplo aconteceu no Parque Estadual da Ilha Anchieta, em São Paulo, onde foram soltas, pelo governo, em 1983, várias espécies de animais, entre elas 8 cutias e 5 mico-estrelas – sagüi natural de Minas Gerais. Sem predadores e com alimentos abundante, essas espécies se multiplicaram livremente e hoje contam com populações de 1.160 e 654 indivíduos, respectivamente. Como conseqüência, cerca de 100 espécies de aves, cujos ninhos são predados por esses animais, foram extintas na ilha.
A conservação da Mata Atlântica é importantíssima para cerca de 120 milhões de pessoas que vivem na região, 70% da população brasileira. A qualidade de vida desse contingente populacional depende dos serviços ambientais prestados pelos remanescentes, na proteção e manutenção de nascentes e fontes que abastecem as cidades e comunidades do interior, na regulação do clima, da temperatura, da umidade e das chuvas. Os remanescentes de vegetação nativa também asseguram a fertilidade do solo e protegem escarpas e encostas de morros dos processos erosivos.

Muitos são os fatores e impactam e contribuem com a degradação da Mata Atlântica

Muitos ainda são os fatores que impactam e contribuem com a degradação da Mata Atlântica. Um deles é o avanço das cidades sem que haja um planejamento e à mercê da especulação imobiliária. A maioria das políticas de loteamentos não leva em conta os remanescentes florestais e acha que as cidades não precisam cumprir o Código Florestal. É claro que na seqüência disso temos a destruição de ecossistemas e desastres como loteamentos inteiros deslizando pelos morros ou então ficando dentro da enchente porque se instalaram em áreas de preservação permanente.
Há também os grandes empreendimentos, em especial, as hidrelétricas. Dois exemplos são as hidrelétricas que já foram implantadas e as previstas na Bacia do Rio Uruguai, na divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul, e as hidrelétricas previstas para a Bacia do Rio Ribeira de Iguape, na divisa de São Paulo com Paraná. Na Bacia do Rio Uruguai, recentemente a questão emblemática foi a de Barra Grande: uma hidrelétrica com base num estudo de impacto ambiental fraudado que resultou na perda, para sempre, de cerca de 6.000 hectares de floresta com araucária, com quase 3.000 hectares de floresta primária.
Existem ameaças também vindas das atividades de mineração, especialmente na região sul de Santa Catarina e áreas de Minas Gerais e Espírito Santo. Essa atividade ocupa grandes áreas, o que significa dizer que os impactos ambientais negativos também são de grande monta e já causaram o desaparecimento de grande número de remanescentes florestais.
Uma outra questão importante a ser considerada é o avanço de monoculturas de árvores exóticas e da própria agricultura feita sem planejamento ou ordenamento. Atualmente, ainda temos desmatamentos sendo feitos para o plantio de exóticas e de grãos e um descaso dos governos estaduais que não controlam o avanço predatório dessas atividades. Precisaríamos, urgentemente, de um zoneamento ambiental e econômico, para que as atividades fossem realizadas de forma ordenada. Precisamos também saber aproveitar os bons exemplos. Na atividade de plantio de florestas exóticas, já existem várias empresas dando ótimos exemplos que deveriam ser difundidos e consolidados.
Mas na área florestal existem também outros problemas como a exploração seletiva de espécies ameaçadas de extinção. Os estados do Paraná, Santa Catarina e Bahia são exemplos disso. Recentemente os órgãos ambientais estaduais ainda licenciavam o corte de espécies como a imbuia, a canela-preta e a araucária. Na Bahia, existe um verdadeiro industrianato (indústria do artesanato) que usam espécies ameaçadas de extinção como matéria-prima e, para piorar, usa também a mão-de-obra barata de populações tradicionais. Talvez agora com a Lei da Mata Atlântica em vigor, que proíbe o manejo seletivo, esse problema comece a fazer parte do passado.
A carcinicultura predatória, que é a criação de camarão em manguezais e restingas, vem substituindo a atuação da população tradicional, por exemplo, que vive da catação de caranguejos. A maioria desses empreendimentos, em grande escala, substitui essas grandes áreas manguezais e restingas fazendo com que esses ecossistemas associados à Mata Atlântica, estejam simplesmente desaparecendo.
Por fim, ainda falando de impactos, não se pode deixar de mencionar que a Mata Atlântica ainda não está livre do trafico de seus animais, que continua sendo um problema de difícil controle.

Por que recuperar a Mata Atlântica?
Essa grande diversidade de espécies de animais e plantas depende do que restou de vegetação natural da Mata Atlântica para sobreviver. Atualmente, apenas cerca de 3% da área do Bioma estão protegidos em unidades de conservação de proteção integral. Esse baixo percentual de unidades de conservação no Bioma é hoje uma das principais lacunas para a conservação da Mata Atlântica, no longo prazo. É consenso mundial que as unidades de conservação representam a forma mais efetiva de conservar a biodiversidade e isso indica a importância de um esforço imediato para proteger todas as principais áreas bem conservadas de remanescentes do Bioma. Demonstra também a necessidade de adoção de medidas para promover a recuperação de áreas degradadas, principalmente para interligar os fragmentos e permitir o fluxo gênico de fauna e flora.
Ainda em relação às unidades de conservação – parques, reservas, etc. – é preciso diversificar as possibilidades de conservação fora dessas áreas protegidas. Como o valor da terra na Mata Atlântica é muito alto, é necessário promover parcerias com agricultores e empresas, que são os maiores donos de terra no Bioma e fomentar a criação de novas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs). Atividades como o turismo e o manejo de produtos florestais não madeireiros são importantes opções para a conservação e o uso sustentável da floresta fora das UCs. É necessário também intensificar ações de criação e expansão de corredores ecológicos.
Por mais que a população esteja mais informada sobre a existência do Bioma, sua biodiversidade e beleza cênica, ainda falta clareza sobre sua importância para a sobrevivência das cidades. As pessoas precisam saber (e acreditar piamente!) que regiões metropolitanas como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador ou Campinas dependem da Mata Atlântica para beber água e para garantir chuvas na quantidade e distribuição certas, e um pouco de conforto climático. Precisam ter a convicção de que preservar o cinturão verde e os mananciais dessas regiões é mais importante para suas vidas do que melhorar a fluidez do trânsito, por exemplo.
Outra questão importante refere-se ao foco econômico do País, que parece estar voltando todas as atenções para a agricultura. Com a agropecuária “salvando a pátria” com exportações recordes, a ameaça de novos desmatamentos é constante. Mesmo que a fronteira agrícola visível seja o Cerrado e a Amazônia, a Mata Atlântica é ainda uma das regiões mais produtivas do País. E mesmo estando nos estados com maior infra-estrutura e com governos mais estruturados, boa parte dessa produtividade ainda é conseguida à margem da lei: se as propriedades rurais da Mata Atlântica respeitassem os 20 % de Reserva Legal e as Áreas de Preservação Permanente, teríamos muito mais do que os remanescentes atuais.
A certificação florestal é uma alternativa para valorização do manejo. O Conselho para o Manejo Florestal (FSC), através da ONG Imaflora, certificou em março de 2003 o primeiro produto da Mata Atlântica: a erva-mate, de um produtor do Rio Grande do Sul. Uma boa gestão da Mata Atlântica traria conseqüências também para os serviços ambientais prestados por seus ecossistemas, como a produção de água, proteção do solo, controle climático e absorção de carbono, além de ser um grande manancial para o desenvolvimento do turismo.

70% da população brasileira vive num lugar de enorme riqueza de biodiversidade...
Grande parte da população brasileira vive na Mata Atlântica, pois foi na faixa de abrangência original desse Bioma que se formaram os primeiros aglomerados urbanos, os pólos industriais e as principais metrópoles. São aproximadamente 120 milhões de pessoas (70% do total) que moram, trabalham e se divertem em lugares antes totalmente cobertos com a vegetação da Mata Atlântica. Embora a relação não seja mais tão evidente pela falta de contato com a floresta no dia a dia, essas pessoas ainda dependem dos remanescentes florestais para preservação dos mananciais e das nascentes que os abastecem de água, e para a regulação do clima regional, entre muitas outras coisas.
A Mata Atlântica também abriga grande diversidade cultural, constituída por povos indígenas, como os Guarani, e culturas tradicionais não-indígenas como o caiçara, o quilombola, o roceiro e o caboclo ribeirinho. Apesar do grande patrimônio cultural, o processo de desenvolvimento desenfreado fez com que essas populações ficassem de certa forma marginalizadas e muitas vezes fossem expulsas de seus territórios originais.

Almanaque Brasil Socioambiental – ISA/2008 


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