sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Bacia Amazônica


A Bacia Amazônica

A Bacia Amazônica é mundialmente admirada pela expressiva variedade de ecossistemas ali presentes. Ela abriga cerca de um terço das florestas tropicais do mundo e constitui a mais extensa rede hidrográfica do globo terrestre, ocupando uma área total de 6,1 milhões de Suriname e Venezuela, equivalente a cerca de 40% do continente sul-americano, estendendo-se da Cordilheira dos Andes ao Oceano Atlântico, no norte do Brasil. No Brasil, a Bacia Amazônica ocupa uma área de 3,9 milhões de km2, correspondente a 64% de sua área total e a 46% do território brasileiro. No Brasil, a parcela da margem direita do Amazonas se estende por terras dos estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará e Rondônia ou 2,54 milhões de km2.


Tendo em conta as transformações a que essa região tem sido exposta nas últimas décadas – especialmente em sua porção meridional, mas não limitada a ela – e os interesses setoriais já declarados, a Agência Nacional de Águas decidiu elaborar um plano de recursos hídricos, de natureza estratégica, que pudesse constituir-se em um instrumento efetivo para orientar a gestão dos recursos hídricos nessa região. O Plano Estratégico de Recursos Hídricos dos Afluentes da Margem Direita do Rio Amazonas (PERH-MDA) aborda as bacias hidrográficas dos rios Xingu, Tapajós, Madeira, Purus, Juruá, Jutaí e Javari, além das interbacias situadas entre elas, nas quais vivem 5,11 milhões de habitantes (3 milhões em cidades) e formada por 224 municípios (195 dos quais com sede na MDA). A Figura 1 oferece uma visão da MDA no Brasil e das bacias que a compõem. As bacias do Xingu, do Tapajós e do Jutaí são inteiramente nacionais; já as águas das bacias do Madeira, Purus, Juruá, e Javari ocupam terras da Bolívia (as duas primeiras) do Brasil e do Peru. Com exceção da bacia do Jutaí, as demais possuem dimensões comparáveis a muitos países de grande expressão política e econômica.


Na base desse plano de recursos hídricos encontra-se a concepção global de um modelo de desenvolvimento econômico e social que permita ao Estado brasileiro, e aos que ali vivem, a apropriação de suas riquezas de forma sustentável – um debate travado no seio da sociedade brasileira que perpassa a explotação dos recursos naturais, a ocupação do território, a atividade agropecuária, a manutenção da floresta e da biodiversidade, o poder do Estado Brasileiro fazer cumprir o que suas instituições e a sociedade decidirem sobre a região.


Os estudos existentes sobre a Amazônia se caracterizam não apenas pela diversidade temática, mas também pelas diferentes escalas de abordagem e cobertura geográfica. O PERH-MDA é o primeiro esforço de planejamento de recursos hídricos da Amazônia segundo o modelo da lei 9433/97, que vê a água como um bem de domínio público, para o qual preconiza a ação descentralizada e participativa, assim como o uso múltiplo. Ele foi desenvolvido para constituir-se em um instrumento de efetiva gestão dos recursos hídricos, de modo a garantir seu uso sustentável e racional, em benefício das gerações presentes e futuras.


A precipitação anual média na MDA é de 2.159mm, variando de 1500 mm no sul da bacia do Xingu a 3000 mm no norte da Bacia do Juruá.ARTIGO-NEY-MARANHAO---FIGURA-1-mapaBacias afluentes da margem direita do Amazonas e UPHs (unidades de planejamento hídrico) do PERH-MDA Unidade de Planejamento Hídrico ((UPH) são subdivisões das bacias hidrográficas estudadas, caracterizadas por uma homogeneidade de fatores geológicos, geomorfológicos, hidrográficos e hidrológicos que permitem a organização das informações e o planejamento dos recursos hídricos ali localizados. As UPHs são formadas por bacias ou sub-bacias hidrográficas de rios afluentes ou por trechos das bacias dos rios principais


O plano também reconhece a grande disponibilidade hídrica da região. Os estudos evidenciaram que ela é persistentemente alta em todas as UPHs: valores de Q95 inferiores a 100m3/s são verificados apenas nas UPHs Iriri, Rio Acre, e na interbacia Juruá-Jutaí; valores inferiores ou iguais a 200 m3/s são observados nas UPHs Alto Purus I, Alto Guaporé, Aripuanã e Tarauacá, além das interbacias Xingu-Tapajós e Juruá-Mirim.
Demandas referentes a usos consuntivos superiores a 1m3/s são registradas nas UPHs Ji-Paraná (5,88 m3/s), Alto Juruena (3,75 m3/s), Arinos (3,17 m3/s ), Alto Teles Pires (3,12 m3/s), Médio Teles Pires(3,1 m3/s), Nascentes do Xingu(2,81 m3/s), Rio Acre (2,02 m3/s ), Abunã-Madeira (1,91 m3/s), Jamari (1,83 m3/s ), Médio Guaporé(1,64 m3/s), Médio Xingu(1,59 m3/s), Alto Guaporé(1,44 m3/s), Roosevelt(1,26 m3/s), Alto Xingu(1,1 m3/s) e Baixo Tapajós (1,01 m3/s). Dentre os diversos usos consuntivos destacam- se a dessedentação animal, a irrigação e o abastecimento humano.


Há, portanto, uma confortável situação de disponibilidades versus demandas para usos consuntivos em toda a MDA. Apenas três UPHs registram valores superiores a 1% para essa relação: Rio Acre (2,8%), Ji-Paraná (2,2%) e Alto Guaporé (1,1%), o que é explicável pela grande vazão dos principais corpos hídricos. Não obstante – e em que pese a escala em que foi conduzido o PERH-MDA como primeiro plano de recursos hídricos de bacias da região amazônica – foram identificados alguns trechos de rios nos quais a disponibilidade hídrica é mais reduzida (devido a características locais) que deverão merecer maiores atenções na implementação do plano.


A qualidade das águas também deve merecer maiores atenções, tanto para compreender sua complexa dinâmica atual quanto para monitorar os efeitos de ações antrópicas já existentes, desenvolvidas ou introduzidas na região. Situações locais envolvendo disponibilidades hídricas, do ponto de vista quantitativo ou qualitativo, podem ocorrer e terão que ser administradas, especialmente em igarapés ou pequenos corpos hídricos que atravessam cidades ou situam-se à margem de núcleos populacionais, bem como nas cabeceiras de cursos d’água onde a vazão específica é baixa.


Um conjunto de temas relevantes emerge do PERH- MDA, propondo-se diretrizes e intervenções para seu encaminhamento. Elas têm em si um expressivo potencial transformador, capaz de apoiar a criação de novas condições e perspectivas de desenvolvimento sustentável na Amazônia. Suas características permitem a realização de modulação regional e temática, implementação continuada, experimentações, inovações, dimensionamento diferenciado e a constituição de redes, que poderão crescer e conectar-se à medida que essas iniciativas avancem. O PERH-MDA representa, assim, um importante movimento sobre as bacias dos afluentes da margem direita do Amazonas, um olhar global e integrado sobre as sete bacias, identificando convergências e diferenças entre elas, estabelecendo diretrizes para os instrumentos de gestão de recursos hídricos, ações a empreender e oferecendo recomendações aos setores usuários.


ARTIGO-NEY-MARANHAO---FIGURA-2Confluência do Rio Aripuanã (águas claras, lado esquerdo) com o Rio Madeira (águas brancas, lado direito), próximo à cidade de Novo Aripuanã (AM).



O PERH-MDA evidencia, mais que tudo, a necessidade de uma gestão evolutiva dos recursos hídricos da MDA. Ele abre um diálogo para a integração e alinhamento dos planos temáticos do Ministério do Meio Ambiente e demais planos setoriais existentes, todos considerados na sua elaboração, possibilitando, desse modo, que a gestão dos recursos hídricos, a gestão ambiental e as ações setoriais orientadas para o desenvolvimento socioeconômico regional em bases sustentáveis sejam integradas a partir do tratamento personalizado de cada bacia integrante da MDA, em função de suas características, especialmente das vulnerabilidades e potencialidades que apresentam, como assinalado no Plano.


Nesse sentido, para além das peculiaridades identificadas das unidades de planejamento hídrico (UPHs) em que cada bacia foi dividida para fins do estudo, o plano reconhece três situações distintas, para as quais propõe condutas próprias.
Para a primeira categoria – áreas onde a presença/atividade humana ainda é muito rarefeita ou vedada e distribuídas por todas as bacias da MDA – a ação recomendada consiste na proteção e monitoramento.


A segunda diretriz é aplicável às áreas mais sensíveis, ainda não protegidas, onde a presença humana ainda não se estruturou em grande escala e ainda pode ser organizada segundo a capacidade de suporte do território, isto é, regiões da MDA em que a atividade antrópica ainda não alcançou um nível crítico. Para essas áreas, que se distribuem predominantemente nas bacias dos rios Purus, Juruá, Jutaí e Javari, o Plano sugere (i) a conservação e/ou preservação ambiental das áreas mais valiosas ambientalmente, inclusive com a criação de novas áreas protegidas nos locais de maior vulnerabilidade, como áreas de floresta ombrófila densa, e (ii) o fomento a arranjos produtivos locais estabelecidos a partir das cidades existentes nas calhas dos rios, utilizando o modal aquaviário, interessando produtos da floresta ou das águas e, assim, assegurando a sustentabilidade ambiental dessas áreas. Dessa forma, populações e núcleos urbanos dessas áreas da MDA poderiam atuar como guardiões da floresta. Por último, nas bacias cuja ocupação antrópica apresenta características irreversíveis, marcadas por atividade agropecuária e pela proliferação de núcleos urbanos vinculados aos projetos de colonização dos anos 70, como nas bacias do Madeira, Tapajós e parte da bacia do Xingu, sempre privilegiando o uso múltiplo dos recursos hídricos, o Plano recomenda a implantação e progressivo incremento da gestão, visando a racionalização do crescente uso dos recursos hídricos e recuperação da degradação existente nas áreas mais antropizadas. Neste último caso, a gestão deve ser instalada nas UPHs mais críticas e estendida gradualmente, irradiando-se a partir delas para as demais UPHs onde a atividade antrópica seja expressiva
Para dar conta dessa proposta, o Plano formula programas a serem implementados, focados na gestão dos recursos hídricos em seus múltiplos aspectos e nas interfaces com a gestão ambiental, nas intervenções estruturais planejadas pelos diversos setores usuários dos recursos hídricos ou nas necessidades da região (caso do saneamento ambiental) e em pesquisas de temas de grande relevância para a compreensão do funcionamento dos recursos hídricos e ecossistemas aquáticos.


As bacias dos rios Tapajós, Madeira e Xingu devem ser tratadas como prioritárias para a gestão dos recursos hídricos em razão das atividades socioeconômicas já existentes, empreendimentos planejados, potencial minerário e energético, áreas protegidas, ritmo de urbanização e a identificação de conflitos em torno dos recursos hídricos. Dentre elas, a bacia do Tapajós desponta como a bacia chave da MDA, seja pelo seu potencial, seja pela sua situação singular na MDA, seja pela infraestrutura e performance econômica. Grandes empreendimentos planejados deverão ser objeto de rigoroso licenciamento ambiental, examinados por bacia, considerados em bloco, de forma integrada, analisando-se o conjunto deles na bacia em que se inserem, sempre ponderando todos os demais usos previstos para a água nessa bacia e o efeito sinérgico ou os “trade-offs” possíveis em relação às demais bacias da MDA. Do mesmo modo, as compensações deverão ser pensadas de forma a atender o local impactado, a bacia e o conjunto da MDA, contemplado como um todo.


A tônica do Plano é antecipar, prevenir, orientar e intervir, atuando com maior ênfase nas áreas sensíveis, vulneráveis e ameaçadas ou onde as demandas já requerem acompanhamento e controle, abordando a Amazônia com cuidado, ouvindo seus habitantes e investindo em estudos e cuidados com esse extraordinário patrimônio.
Carolina Aguiar, socióloga, especialista ambiental da Coordenadoria de Educação Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de São Paulo, membro e relatora das Câmaras Técnicas de Educação Ambiental do Comitê da Bacia Hidrográfica do Médio Paranapanema(SP) e do Comitê das Bacias Hidrográficas dos rios Aguapeí e Peixe (SP). carolinama@ambiente.sp.gov.br


PRH-MDA representa uma contribuição ao debate sobre a Amazônia e à formulação de uma Política Nacional de Recursos Hídricos projetada em um horizonte mais largo a partir de uma de uma gestão dos recursos hídricos alicerçada em bases científicas. Articuladas entre si, a gestão dos recursos hídricos e a política ambiental para a Amazônia funcionarão como os polos de uma política de Estado para a região e, ao mesmo tempo, propiciarão uma visão global da MDA segundo uma perspectiva nacional, com uma retomada do papel do Estado como agente indutor, gestor e regulador/fiscalizador do desenvolvimento sustentável na Amazônia.


Ney-Maranhao
NEY MARANHÃO
ney.maranhao@ana.gov.br
D.Sc. em Engenharia Civil/Gestão de Recursos Hídricos pela COPPE-UFRJ e Superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas.

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