sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Biomas do Brasil- Cerrado



CERRADO
Peter Mix
CERRADO
Abio (Pouteria torta), fruta de espécie arbórea apreciada pelas populaçoes que vivem nas regiões de domínio do Cerrado
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O Cerrado ocupa aproximadamente 1,9 milhão de km2, pouco menos de um quarto do território brasileiro. É o segundo maior bioma do País, abrangendo 12 estados: Maranhão, Piauí. Bahia, Minas Gerais, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Pará e Rondônia, além do Distrito Federal e de aparecer em manchas em Roraima e no Amapá. Detém um terço da biodiversidade brasileira, 5% da fauna e flora mundiais e é o nascedouro de águas que formam as três grandes bacias hidrográficas do País (Amazônica, São Francisco e Paraná/Paraguai). Além disso, sob o solo de vários estados do Cerrado está o Aqüífero Guarani.
A partir de 1960, o Cerrado foi palco de uma forte expansão da fronteira agropecuária, estimulada por políticas públicas e de crédito nacionais e internacionais voltadas para exploração de grãos e de carnes.
A transferência da capital federal para Brasília, em 1960, e a adoção de políticas de desenvolvimento, o surgimento de novas tecnologias e investimentos em infra-estrutura, principalmente durante a década de 1970, foram os principais fatores na geração dessa nova dinâmica econômica , que resultou na abertura e ocupação de grandes áreas de Cerrado através da expansão da agricultura comercial.
O resultado foram espantosas mudanças nos números relativos à produção. De cerca de 6% da soja do País no início da década de 1970, a região Centro-Oeste produz hoje 50% (o que representa 13% de toda a soja do Planeta), respondendo por 42% da área plantada com este grão no Brasil. O Cerrado produz, hoje também cerca de 20% do milho, 15% do arroz e 11% do feijão. A pecuária no Centro-Oeste detém mais de um terço do rebanho bovino nacional e cerca de 20% dos suínos.
As avaliações mais recentes sobre o estado da cobertura vegetal do bioma apontam para uma perda entre 38,8% - segundo a Embrapa Cerrado – e 57% - segundo a Conservação Internacional -, da vegetação nativa. Muito da diferença entre estes dados se relaciona à dificuldade de mapeamento dos diferentes ecossistemas do bioma, sobretudo na diferenciação entre pastagens naturais e pastagens plantadas. A Conservação Internacional estimou ainda a taxa média de desmatamento no bioma até 2004 em 2,6 hectares por minuto, ou cerca de 3,7 mil hectares diários.
Além do efeito devastador sobre a cobertura vegetal, a ênfase na agricultura em larga escala resultou na progressiva inviabilização da pequena agricultura familiar. As conseqüências são a concentração fundiária e o êxodo rural, este último, a característica mais marcante dessa nova dinâmica econômica, onde se passa por uma população predominantemente rural ao predomínio da vida nas cidades no espaço de apenas duas décadas.
A expansão da fronteira agropecuária se faz acompanhar de uma progressiva diminuição na capacidade das atividades econômicas rurais em absorver mão-de-obra, sem que as atividades urbanas, ao mesmo tempo, sejam capazes de receber o contingente de migrantes resultante. As áreas de agricultura comercial consolidada no Cerrado são aquelas onde há hoje menor disponibilidade de empregos por área utilizada. Em 1985, as áreas mais tecnificadas geravam praticamente quatro vezes menos emprego que as áreas ainda não incorporadas à economia de mercado.


Modelo insustentável

Alguns dados demonstram a insustentabilidade desse modelo econômico: apenas em Goiás, onde pela antiguidade do processo de ocupação resta muito pouco Cerrado intacto, foram desmatados, entre 2000 e 2002, com autorização do órgão estadual de meio ambiente, cerca de 198 mil hectares. No Piauí, apenas um grande projeto de plantio e beneficiamento de soja deve desmatar cerca de 11 mil hectares de Cerrado por ano. Isso ao mesmo tempo em que a degradação de pastagens, segundo a Embrapa Cerrado, atinge, em algum nível, pelo menos 70% das terras ocupadas no bioma.
Apesar dos números assustadores, o Cerrado é dos mais desamparados em termos legais para sua proteção. Diferentemente da Amazônia, da Mata Atlântica, da Zona Costeira e do Pantanal, o Cerrado (e a Caatinga) não figura como Patrimônio Nacional na Constituição Federal. Além disso, até 2003, apenas 1,7% de sua área (3.342.444,80 hectares) encontravam-se protegidos em unidades de conservação de uso sustentável (1.401.325,79 hectares ou 0,71% do bioma), chegamos a 2,41%.
Essa situação é fruto, em grande medida, do contraste entre o valor natural do bioma e a visão que a sociedade brasileira dele possui. O Cerrado ainda é visto como um tipo de vegetação pobre e como uma fronteira, uma reserva de terras de que o Brasil dispõe para a expansão da atividade agropecuária.
A lógica que continua presidindo a expansão econômica nas áreas de Cerrado, nas palavras da Agenda 21 brasileira, assemelha-se mais à mineração que à agropecuária. Os aumentos na produção baseiam-se não apenas em ganhos de produtividade, pois continuam dependendo umbilicalmente da ocupação de novas áreas.
A pecuária segue sendo a grande responsável por novos desmatamentos. Em Goiás, 87,4% da área de desmatamento autorizada pelo órgão estadual de meio ambiente, em 2001, se destinava à pecuária, enquanto a agricultura responsabilizou-se por apenas 9,5% dos desmatamentos legais.


Impactos da agricultura

O manejo pouco cuidadoso do solo tem ocasionado perdas expressivas desse precioso recurso natural. Conforme estimativas do WWF, no Cerrado, para cada quilo de grãos produzido, perdem-se de 6 a 10 quilos de solo por erosão. O País como um todo desperdiça assim cerca de 1bilhão de toneladas de solo fértil por ano. A perda de fertilidade causada por esse processo aumenta a demanda por agroquímicos, não apenas fertilizantes, mas praguicidas, já que as plantas mal nutridas tornam-se mais susceptíveis a pragas e doenças. Todo esse processo erosivo tem um destino: os cursos d’água, onde contribuem para seu assoreamento e para a perda de qualidade dos recursos hídricos.
Outro impacto direto da agricultura sobre o Cerrado está no consumo e no desperdício de água altíssimos na irrigação. O resultado tem sido um número crescente de conflitos pela água entre agricultores e entre uso agrícola e uso urbano da água em muitos estados. Em Goiás, 29 municípios (mais de 10% do total) estiveram em situação de alerta ou crítica quanto ao abastecimento no período da estiagem, em 2001. Em 1999, este número chegou a 82. Outro estudo mostra que 60% dos municípios do Estado têm seus mananciais de abastecimento em situação crítica, seja por esgotamento, assoreamento, poluição ou conflitos entre usuários. Para se ter uma idéia, um pivô central consome em média 1 litro de água por segundo por hectare irrigado, mas desperdiça mais de metade do que consome. Um pivô central para 100 hectares consome água suficiente para abastecer uma cidade de 30 mil habitantes. Apenas no estado de Goiás, já são mais de 80 mil hectares irrigados.
Do ponto de vista humano, análises realizadas pelo Laboratório de Processamento de Imagens da Universidade Federal de Goiás, evidenciam um desenvolvimento desigual dentro do bioma. Apesar dos dados negativos em relação ao emprego, algumas das áreas onde a agricultura comercial se consolidou de forma mais intensa, como  sudoeste de Goiás, apresentaram avanços significativos em termos de desenvolvimento humano, com diminuição dos índices de pobreza e aumentos importantes do Índice de Desenvolvimento Humano. De outro lado, algumas áreas de ocupação mais recente, apesar de aumentos na renda per capita, mostram uma tendência ao acentuamento na concentração de renda, casos de vários municípios situados no Arco do Desmatamento em Mato Grosso, por exemplo. E, apesar dos avanços, persistem bolsões de pobreza muito intensa na transição leste, entre esse bioma e a Caatinga. Não obstante, é fundamental notar que a maior parte dos indivíduos pobres no Cerrado já se encontra hoje nos grandes centros urbanos, ainda que a pobreza rural persista em muitas áreas.


Implantação de infra-estrutura

Ao agronegócio em expansão, somam-se outros vetores de impactos sobre o Cerrado e suas populações: a expansão urbana descontrolada, a implantação de novas infra-estruturas de transporte e a matriz energética também em crescimento e diversificação.
São todos elementos de um mesmo processo econômico que não leva em consideração seus impactos sobre o meio ambiente e a sociedade, pois rodovias, ferrovias e hidrovias destinam-se essencialmente a propiciar condições de expansão para o agronegócio, enquanto novas fontes de geração e linhas de transmissão de energia abastecerão a agroindústria e outras atividades econômicas. A expansão urbana, por sua vez, é o reverso da medalha do crescimento do PIB agropecuário nacional e de nossos superávits comerciais. Ela é causada pela ênfase no crescimento de atividades do setor primário, como a agricultura, que geram poucos empregos, além de impactarem seriamente o meio ambiente, sem que outras atividades, mais intensivas em tecnologia e conhecimento, e por isso geradoras de empregos e divisas, sejam estimuladas e se desenvolvam no País.
As infra-estruturas de transporte e energia no Cerrado continuam a ser pensadas em função desse modelo agroexportador. E por isso mostram-se problemáticas do ponto de vista ambiental e de benefícios para a região em si. Isso fica especialmente claro quando se analisa a questão energética. O consumo do Centro-Oeste é relativamente modesto se comparado ao total da energia produzida pelas usinas instaladas na região e na Amazônia.
Grande parte da energia gerada hoje e dos constantes investimentos na ampliação desta infra-estrutura no Centro-Oeste destinam-se à produção de alumínio na região Norte, de intenso consumo energético (47% dos custos produtivos deste metal dizem respeito à energia).
Um exemplo significativo é o da usina hidrelétrica de Serra da Mesa, em Goiás. Embora tenha inundado uma área de 1.784 km2 e formado um dos maiores reservatórios de água doce do mundo, Serra da Mesa produz apenas o equivalente a pouco mais de três turbinas de Itaipu. Mas esse volume de água foi considerado necessário para regularizar ao longo do ano o fluxo do Rio Tocantins, de modo a permitir a construção de outras hidrelétricas a jusante e a implantação da segunda casa de máquinas da Usina de Tucuruí, que já destina grande parte de sua energia para a produção de alumínio.


Alternativas

A primeira e mais urgente das frentes de ação para socorro ao Cerrado é a da contenção dos desmatamentos. Isso passa pela revisão e efetiva implementação da legislação florestal, pela criação de novas unidades de conservação, pela implantação daquelas existentes, por um expressivo programa de recuperação de áreas degradadas e pela concretização de mecanismos econômicos que tornem a aberturas de novas áreas pouco atraentes aos proprietários rurais. É claro que nada disso será possível se os órgãos ambientais continuarem desequipados, sem recursos e sem informações para sua atuação.
Ainda que um modelo de desenvolvimento efetivamente sustentável para o Cerrado dependa de radicais alterações de rumo, existe um conjunto de práticas já em disseminação que permite reduzir sensivelmente os impactos da grande agricultura em curto prazo. Basta lembrar que a Embrapa Cerrado afirma ser possível triplicar a produção de grãos no Cerrado e pelo menos duplicar a de carnes sem avançar mais um só hectare na ocupação.
A pressão das instituições públicas e da sociedade, casada a mecanismos econômicos, deveria obrigar a recuperação e utilização de 25% de áreas abertas e não utilizadas hoje no Cerrado, especialmente as pastagens degradadas. E existem técnicas que permitem isso.
Nas áreas de lavoura, já é bastante comum a adoção do Sistema Plantio Direto, que envolve várias técnicas de manejo de solo que coíbem sua degradação, tais como o terraceamento e a não-remoção da cobertura vegetal remanescente da safra anterior.
Outro caminho é o da integração lavoura-pecuária na propriedade rural. Integrar agricultura e pecuária significa diversificar a produção, pensando estas duas atividades dentro de um mesmo sistema, de forma a aumentar a eficiência da produção e da utilização dos recursos naturais. Existem vários sistemas, como a sucessão de lavouras e forrageiras anuais, a rotação pastagem/lavoura, entre outros.
Do ponto de vista dos recursos hídricos, é necessário que se comece a inibir fortemente a implantação de novos pivôs centrais e que se viabilize, do ponto de vista econômico, a substituição gradual dos existentes por técnicas menos desperdiçadoras de água para a irrigação. Para além da agricultura,é urgente ainda a implementação de mecanismos que permitam uma adequada avaliação dos impactos socioambientais dos projetos de infra-estrutura planejados ou em implantação no Cerrado.
Nenhuma dessas medidas será capaz de construir o caminho da sustentabilidade, entretanto, se por trás e ao redor delas não se processar uma radical mudança na visão que a população e as políticas públicas têm do Cerrado, passando a valorá-lo em função de sua preciosa biodiversidade e de sua diversidade social, e não como mera fronteira para expansão do agronegócio.

Almanaque Brasil Socioambiental – ISA/2008


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